A última marcha-rancho
- Associação das Letras
- 1 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de mar.

Sou um carnavalesco de poltrona. Volta e meia, queira ou não queira, dou uma olhada no colorido dos desfiles de escolas de samba e nos trios elétricos da Bahia. Hoje, para participar do “carnaval brasileiro” a pessoa tem de enfrentar uma viagem e lutar por um lugar no Sambódromo ou por um abadá em Salvador. De modo geral, o folião virou mero espectador, como qualquer turista estrangeiro.
Os pierrôs e colombinas, símbolos de nossa festa máxima pagã – embora com origem na “Commedia dell’Arte” italiana – foram trocados pelas subcelebridades que se engalfinham por um lugar de destaque nos desfiles, como se isso fosse a maior honraria que se pode oferecer a uma pessoa.
O carnaval ganhou em cores e harmonia, firmou-se como indústria de espetáculo, mas perdeu o romantismo, junto com as divertidas marchinhas de Lamartine Babo e João de Barro (e pérolas como Jardineira, Aurora, Pirata da perna de pau, General da banda, Touradas em Madri...) e as belas marchas-rancho (As Pastorinhas, Bandeira Branca, Rancho da Praça Onze e outras). O ritmo dolente embalando os exaustos foliões na madrugada, enlaçados à bela colombina conquistada, amor de carnaval; os mais sossegados, à mesa, curtindo a música no torpor gostoso da cerveja, o ar impregnado de lança-perfume. Confete, serpentinas, lança-perfumes. Cheiro de carnaval.
A marcha-rancho foi criada na década de 1930 para acompanhar o ritmo dos ranchos, que nada mais eram do que blocos populares, organizados em associações.
Provavelmente, a partir deles foram criadas as primeiras escolas de samba. Para poder acompanhar suas alegorias e por uma certa imposição do Estado Novo ditatorial de Getúlio Vargas introduziram o samba-enredo, uma espécie de epopeia popular, exaltando, desde seu inicio, as maravilhas do país. Antes de se transformarem em atração turística e indústria do carnaval, as escolas de samba tornaram-se, de certo modo, instrumentos da ditadura.
Quem iria imaginar que tal gênero musical subsistisse hoje, com letras descartáveis, prolixas e vazias, que, como dizia o jornalista e compositor Sérgio Bittencourt, “não moram no assobio do povo”. Quem hoje se lembra das músicas que ritmaram os desfiles nos últimos carnavais? Como contrapor certas “pérolas” extravagantes cantadas no Sambódromo à beleza dos versos e à melodia empolgante de “Máscara Negra”, a última marcha-rancho?
Não se pode negar que o carnaval-indústria eclipsou o carnaval-romantismo.
Crônica "A última marcha-rancho" do associado: Hilton Görresen
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